terça-feira, 9 de agosto de 2016

V - Congresso constituinte (59 a 66).

Parte V do Preâmbulo da resolução "Plano de ação política e organizativa do Partido dos Trabalhadores para o período 1986/87/88" , aprovada no 4º Encontro Nacional do PT, de 1986.

59. Além do pacote Sarney e demais reformas econômicas e sociais anunciadas ou implantadas pelo novo regime, a conjuntura atual apresenta uma particularidade extremamente significativa: o processo constituinte, que, de bandeira e reivindicação de forças democráticas desde meados da década de 60, agora se transformou, nas mãos da Nova República, num projeto de consolidação da hegemonia burguesa sobre e contra o movimento popular. Em 1985, a proposta pela qual o PT e várias forças políticas lutavam era a da convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte, autônoma, independente do Poder Executivo e do Poder Legislativo, soberana, democrática e de ampla consulta popular. Mas essa proposta foi derrotada pela maioria conservadora da Aliança Democrática e, no seu lugar, está sendo convocado um Congresso Constituinte, de poderes e âmbito restritos e limitados, em que a burguesia e as forças políticas conservadoras têm grandes chances de obter maioria.

60. Apesar de suas limitações, o Congresso Constituinte será um momento importante do processo de transição política que ocorre no País. Isso por duas razões essenciais: para a burguesia, trata-se de constituir a base de legitimidade política dos seus projetos de transição conservadora; para os trabalhadores e a massa dos explorados pelo sistema capitalista, trata-se não só de deslegitimar os projetos político-institucionais da Aliança Democrática, como de fazer avançar a luta por uma concepção alternativa de organização econômica e social e de democracia; ou seja, uma concepção que exprima os interesses dos trabalhadores e a sua decisão de manter a sua independência de classe no processo de transição.

61. Apesar de sua forma antidemocrática, que procura usurpar a soberania popular, o Congresso Constituinte vai ter de tocar grandes questões econômicas, sociais e políticas do País. Como a burguesia deseja legitimar o seu próprio sistema econômico, social e político, [reestruturando] o poder do Estado em função da melhor forma de fazer prevalecerem seus interesses de classe, será inevitável, diante do caos jurídico e político herdado do período da Ditadura, que os grupos dominantes tenham de enfrentar os desafios colocados pela crise política crônica, que vem desde os tempos dos governos militares. Para alcançar tais objetivos – e legitimar o seu projeto conservador de democracia – a burguesia e os demais grupos dominantes se vêem obrigados a buscar o apoio e o reconhecimento das massas populares e, por isso mesmo, não podem fechar todos os canais de intervenção popular na Constituinte, o que permite aos trabalhadores lutarem pelo seu próprio projeto político e de sociedade.

62. É convivendo com sua contradição, entre legitimar para as massas populares seu projeto exclusivista de classe e abrir espaços para os mesmos nomes disputarem os seus projetos políticos, que apontam na direção de uma efetiva democratização da sociedade e do Estado, que a burguesia também procura estabelecer mecanismos de limitação da participação popular. A substituição da tentativa de convocar Assembléia Nacional Constituinte com ampla participação, capaz de assegurar a soberania popular, pelo Congresso Constituinte limitado é o exemplo mais significativo que as classes dominantes poderiam ter dado de sua ideia de que a participação popular maciça poderia vir a resultar na elaboração de uma Constituição que rompesse com os limites da transição conservadora.

63. Todos sabem que os direitos dos trabalhadores não serão assegurados apenas com garantias constitucionais e legais. No entanto, a experiência das últimas décadas de luta nos mostra, também, que inscrever direitos e garantias na Constituição é uma forma de assegurar que a luta pela implementação e pela sua realização possam crescer e se ampliar ainda mais. Talvez o melhor exemplo seja o do direito de greve. Nos últimos anos, os trabalhadores não precisaram esperar que o efetivo direito de greve estivesse reconhecido na Constituição para se organizarem e lutarem. O ciclo de greves dos últimos dez anos mostra que a prática combativa rompe muitos obstáculos. No entanto, todos sabemos que, reconhecidos os direitos de greve e a autonomia sindical, se torna mais difícil que ocorram intervenções do Estado nos sindicatos e, como tantas vezes aconteceu durante a Ditadura, que o avanço do próprio movimento sindical seja dificultado com intervenções, cassações e medidas punitivas.

64. Essas contradições da luta política apontam para a necessidade de os trabalhadores intervirem de forma decisiva e vigorosa no processo constituinte, seja para ampliá-lo, com a revogação do chamado entulho autoritário, como LSN [Lei de Segurança Nacional], Lei de Greve, Lei de Imprensa etc., [seja na] abertura da legislação eleitoral, em particular no que diz respeito à representação municipal, para incluírem na futura Constituição muitas das suas conquistas e direitos, aprofundando, assim, as brechas no Estado e no capitalismo. Torna-se imprescindível, portanto, que o crescimento popular dos trabalhadores do campo e da cidade esteja politicamente preparado para intervir e marcar [a] transição com os seus interesses, as suas perspectivas e as soluções práticas que permitem alcançá-las.

65. Não cabe, portanto, a tese de não participação no Congresso Constituinte, mas, muito pelo contrário, ampla disposição de luta e de mobilização para:
1) quebrar a limitação do Congresso Constituinte; e

2) radicalizar o seu cenário em direção aos seus objetivos de curto, médio e longo prazo.
Com a luta e a mobilização dos trabalhadores, a Constituinte permitirá tratar dos grandes temas que lhes interessem de perto: direitos que limitem a propriedade, em especial a propriedade da terra rural e urbana; o problema da dívida externa, a partir da revisão da ordem econômica; a questão da própria democracia, em relação à qual se deverão propor medidas que tornem real a participação popular no poder, inclusive através da criação de Conselhos Populares, de medidas que representem uma efetiva descentralização e desconcentração do poder político, hoje em mãos do Executivo. Na mesma direção devem ir os projetos que façam avançar o controle dos trabalhadores sobre o Estado, e as medidas que permitam limitar o poder das Forças Armadas, como, por exemplo, a submissão de sua hierarquia ao Congresso Nacional e não só ao presidente da República. Através, portanto, da sua luta na Constituição, os trabalhadores poderão, no confronto com as propostas da burguesia, modificar as propostas de uma nova sociedade, capaz de corresponder aos seus interesses e aos da maioria do povo brasileiro.

66. Intimamente ligada à questão do processo constituinte está, também, a eleição de governadores, senadores e deputados estaduais. As questões específicas da campanha eleitoral de 1986 estão contidas no Documento Eleitoral Básico, aprovado no IV Encontro Nacional do PT. Aqui, neste Plano de Ação Política e Organizativa, são colocadas algumas questões gerais, que devem servir de orientação, tanto para programas de governo dos eleitos pelo PT quanto para as ações políticas de oposição aos eleitos de outros partidos.

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