Ponto de partida
38. As eleições para prefeito, em novembro de 1985, constituíram-se, paradoxalmente, no ponto de partida para a retomada de iniciativa política do Governo Sarney, com a apresentação de um – aparente – plano ousado de reformas econômicas, que, momentânea e setorialmente, podem, inclusive, provocar conseqüências recessivas para a economia. Embora a validade e a eficácia das mudanças contidas no novo pacote econômico possam suscitar dúvidas, críticas e ceticismo, é incontestável que o governo conseguiu, mais uma vez, despertar esperanças em consideráveis parcelas da população.
39. Isso mostra que é necessário tomar cuidado com as análises apressadas e catastróficas, que concluem pelo esgotamento da capacidade da burguesia em resolver suas contradições e propor soluções, mesmo paliativas, para a superação da crise brasileira. A burguesia brasileira nunca se mostrou impotente para realizar manobras e encontrar saídas de compromisso, que adiassem a resolução dos problemas por vias radicais.
Objetivos políticos do pacote
40. Com o pacote econômico decretado em fevereiro de 1986, num momento em que se estreitavam os apoios sociais ao regime, o Governo Sarney, mesmo sem eliminar as contradições internas na Aliança Democrática, abre condições para uma recomposição, tendo por base, inclusive, o endosso entusiástico dos reformistas. Os setores liberais do PMDB baixaram o tom de suas críticas ao governo e os setores progressistas passaram a temer um rompimento, que estava em marcha acelerada. E os moderados sentiram-se encorajados a reforçar seu apoio à Nova República, mesmo sentindo-se prejudicados na divisão dos cargos ministeriais.
41. Esse pacote tem como objetivo principal assegurar a continuidade da transição política conservadora, que se iniciou através da composição da Aliança Democrática no Colégio Eleitoral. Uma transição política para uma nova forma de dominação que não permita o avanço democrático ou concessões importantes para as classes trabalhadoras. Esse processo de transição conservadora estava ameaçado. Em primeiro lugar, porque a Aliança Democrática estava em processo de implosão, após a reforma ministerial imposta por Sarney. O PFL passou a controlar 2/3 do orçamento do País, os principais ministérios e garantiu a indicação de seis exgovernadores da Arena/PDS na nova equipe ministerial. O predomínio absoluto dos ex-colaboradores da Ditadura Militar e a perda de posições do PMDB acabou gerando uma crise política grave, com o afastamento político, do governo, de alguns setores e lideranças do PMDB, descontentes com a falta de cargos políticos e verbas num ano eleitoral. Em segundo lugar, o pacote pretendeu garantir algumas bases eleitorais para que os partidos da Aliança Democrática disputem as eleições em novembro para os governos dos estados e para a Constituinte. As últimas eleições para as prefeituras, em 1985, demonstram alterações nas tendências eleitorais. O PT obteve 11% dos votos e teve o maior crescimento eleitoral, 70% a mais de votos em relação às eleições de 1982, além de conquistar a Prefeitura de Fortaleza e vencer em Goiânia. O PDT obteve 14% e conquistou mais uma capital. O PMDB, apesar de continuar sendo o maior partido do ponto de vista eleitoral, teve uma queda de 45% para 33% dos votos nas grandes cidades. O PFL obteve 9,8% dos votos e está abaixo do PT. O PDS obteve apenas 5,5% e foi o grande derrotado nas eleições, e o PTB atingiu 16%, a partir, basicamente, da eleição de Jânio [Quadros] em São Paulo. Finalmente, o pacote tem como alvo principal o movimento operário e sindical. Quebrar a tendência ao ascenso das lutas operárias e sindicais e desarticular as conquistas que estavam sendo impostas pelas classes trabalhadoras, através das greves, é uma das preocupações mais importantes do pacote. Isso quer dizer que o pacote pretende impor o pacto social.
As greves de 1985
42. O ano de 1985 foi marcado pelo maior volume de greves da história recente do País: cerca de 6 milhões de trabalhadores grevistas e aproximadamente mil greves. Mais importante ainda é que esse imenso volume de greves foi acompanhado por uma mudança de qualidade, a partir da intervenção e do papel político que a CUT passou a ocupar na luta sindical. No Congresso Nacional da CUT, em 1985, foi definida a deflagração de uma campanha nacional de lutas, que tinha como objetivo central unificar as principais bandeiras de luta e as campanhas salariais. As grandes campanhas salariais e as principais greves foram marcadas por essa orientação:
a) a campanha salarial dos metalúrgicos da CUT, em abril de 1985, sustentou uma greve de 54 dias, que quebrou a proposta do pacto social e garantiu a conquista da redução da jornada de trabalho, depois de 50 anos em que a classe trabalhadora não havia obtido conquistas sobre a jornada de trabalho;
b) a greve nacional dos bancários reforçou a tendência à unificação das campanhas salariais e institucionalizou a reposição salarial, com a conquista do índice de 12,5%;
c) a Campanha Salarial Unificada de São Paulo unificou a luta de várias categorias, uma experiência de luta que não ocorria desde 1983. Essa campanha, com uma greve parcial de apenas dois dias e com piquetes, garantiu a conquista [de reajuste] trimestral, da redução da jornada de trabalho e da reposição salarial de 12%. Essa vitória demonstrou a importância que a conjuntura política pode ter sobre o movimento grevista, pois o fato de a campanha salarial ter sido às vésperas da eleição de novembro garantiu a vitória da greve. Todo esse processo de avanço do movimento permitiu uma nova orientação para a Campanha Nacional de Lutas/1986 a partir da Plenária Nacional da CUT, realizada em dezembro de 1985. Nessa Plenária, a Campanha Nacional de Lutas teve suas bandeiras ampliadas. Além dos quatro pontos – reforma agrária, redução da jornada de trabalho para 40 horas, trimestral e salário-desemprego – foi incluído o salário mínimo real e o congelamento de preços dos gêneros de primeira necessidade.
Objetivos econômicos do pacote
43. Além dos objetivos políticos, o pacote tem objetivos econômicos que precisam ser analisados de forma cuidadosa:
1º) Pagar a dívida externa – O pacote pretende garantir melhores condições para o pagamento da dívida externa, de 104 bilhões de dólares. Adotado em vários países endividados – Israel, Argentina, Peru, Bolívia, entre outros – esse tipo de pacote demonstra que corresponde aos interesses dos banqueiros e do FMI, com o fim de assegurar melhores condições para o pagamento da dívida externa. O pagamento da dívida externa é o que administra a política econômica do País. Neste ano, deverão ser pagos cerca de 12 bilhões de dólares de juros, além de 8 bilhões de dólares de amortização, depositados em cruzeiros/cruzados no Banco Central, para serem “negociados”. O pacote está totalmente articulado com esse objetivo, que continua sendo o centro das preocupações da política econômica.
2º) Pagar a dívida pública – O Estado brasileiro deve um quatrilhão, cento e sete trilhões de cruzeiros [Cr$ 1.107 quatrilhão]. Essa dívida pública, diretamente associada e dependente da dívida externa, exigirá cerca de 118 trilhões de cruzeiros do governo, apenas para o pagamento dos juros, em 1986. Isso significa que o governo brasileiro está pagando mais em juros do que todos os gastos sociais previstos para o ano de 1986 – cerca de 74 trilhões de cruzeiros.
3º) Combater a Inflação – A inflação é um instrumento adicional de que o capital financeiro e o grande capital monopolista se utilizam para expropriar rendas e recursos dos outros setores da sociedade, especialmente das classes trabalhadoras. Porém, ao atingir níveis superiores a 350%, como eram as previsões em 1986, a inflação perde essa funcionalidade para o grande capital e coloca em risco o próprio sistema. Portanto, combater esse nível de inflação passou a ser uma preocupação fundamental do governo, com o total apoio do grande capital, inclusive do capital financeiro internacional e nacional. O pacote econômico quebra aquele patamar de inflação que os diversos setores da sociedade criaram ao longo dos últimos anos.
4º) Todos esses objetivos se realizarão a partir do confisco dos salários – O pacote procura garantir um processo de transferência de renda na economia, dos assalariados para as empresas, com o fim de assegurar o combate à inflação e o pagamento da dívida pública e da externa. O confisco salarial é a base de todo o plano de estabilização econômica do Governo Sarney.
O pacote e a inflação
44. A política de combate à inflação, do pacote econômico, está baseada em duas medidas: congelamento provisório dos preços e tarifas de serviços e desindexação da economia. Isso significa que o pacote pretende proibir os aumentos de preços a partir do dia 27 de fevereiro e, ao mesmo tempo, retirar da economia os principais mecanismos de defesa da inflação, como a correção monetária, os reajustes semestrais de salários, os reajustes de aluguéis etc. O Estado capitalista, ao decretar o congelamento dos preços, intervém no processo de circulação de mercadorias, desarticulando algumas leis de movimento e regulação do mercado capitalista. A intervenção do Estado, estabelecendo preços, representa um processo de politização da economia, no sentido de que os conflitos econômicos, que eram criados e resolvidos no interior do mercado, passem a ser interiorizados no Estado e ter suas soluções através de decisões políticas do governo. Porém, o Estado capitalista, por sua própria natureza, é absolutamente incapaz de assegurar o congelamento de preços de forma duradoura. A estrutura monopolista do capitalismo brasileiro, associada à desordem da produção capitalista, inviabiliza a estabilidade de preços por um prazo dilatado. O Estado não tem poderes para intervir no nível do processo de produção e, assim sendo, é absolutamente inviável, no capitalismo dependente, assegurar um congelamento duradouro ou a estabilização dos preços no mercado através da intervenção política do Estado. O congelamento tenderá a inviabilizar-se a partir das seguintes formas de resistência e pressão política e econômica do capital:
a) parar de produzir e criar crise de abastecimento no mercado, para pressionar a quebra ou revisão da política de preços do governo. Exemplo: a carne, medicamentos, leite...Essas e outras formas de resistência do capital significam que a única maneira de evitar crises de abastecimento seria a monopolização do comércio atacadista pelo Estado, o confisco de estoques e a intervenção do Estado no nível da própria produção. Essas medidas, por sua natureza anticapitalista, dificilmente poderão ser adotadas pelo Estado capitalista, a não ser em pequena escala.
b) queda da qualidade e falsificação dos produtos, como forma de reduzir custos e assegurar as margens de lucro das grandes empresas. Ex.: farinha de trigo (90% dos moinhos do Rio Grande do Sul foram autuados em flagrante);
c) mercado paralelo ou cobrança de ágio, por fora da tabela, para assegurar margens de lucros. Ex.: nas feiras, aluguéis etc.;
d) lançamento de novos produtos como forma de fugir da tabela.
O pacote e o congelamento
45. O congelamento gerou, porém, mobilização popular, maior participação nas discussões econômicas e maior base de apoio político para o governo, absolutamente inegáveis. Por quê? Em primeiro lugar, porque o congelamento dos preços é uma bandeira secular das classes trabalhadoras e significa, ainda que por pouco tempo, a desarticulação de uma forma complementar do processo de exploração do trabalho e de acumulação do capital. Em segundo lugar, quando a população se mobiliza com a tabela e denuncia a remarcação de preços está, no nível da consciência espontânea, lutando contra o setor do capital, contra uma das formas de exploração. Isso significa que o congelamento tenta jogar o conflito de classes para outro nível, em que o capital tem maiores possibilidades de administrá-lo. O congelamento e a campanha oficial pela fiscalização procuram retirar o conflito de classes da fábrica, onde se dá a forma originária e fundamental da exploração no capitalismo, e deslocá-lo para a relação preço/consumidor. Portanto, tenta retirar a luta de classes do nível da produção e jogá-la para o nível da circulação de mercadorias. É esse nível que aparece para a consciência espontânea da massa como conflito de classes, como uma luta contra a exploração e o capital. O congelamento, nessa conjuntura, representa uma manobra política extremamente eficiente da classe dominante porque tira, momentaneamente, o conflito de classe da fábrica, da produção, e o lança no nível da circulação. Nesse caso, o conflito de classes aparece como uma relação entre os preços e o consumidor e não entre salários e lucro, que é a base fundamental do processo de exploração da sociedade capitalista.
O pacote e a desindexação
46. A desindexação, por seu turno, significa a retirada de diversos mecanismos de defesa da inflação. No entanto, o impacto do processo de desindexação não é semelhante para todas as classes sociais e agentes econômicos:
a) Capital Financeiro – O capital financeiro perdeu a correção monetária que incidia sobre os diversos títulos e empréstimos. Porém, a taxa de juros permanece liberada e permite que a correção monetária continue nela, assegurando a defesa da margem de lucros para os bancos.
b) Empresas Produtivas – No setor produtivo, o impacto do pacote também é diferenciado. O congelamento impede o repasse aos preços, mas as empresas buscarão reduzir custos e aumentar produtividade para defenderem suas margens de lucro. A possibilidade de redução dos custos é viável, principalmente nas grandes empresas oligopólicas, que têm maior poder de mercado e poderão utilizar-se das pequenas e médias empresas como um colchão amortecedor do pacote. A política de redução de custos daquelas empresas deverá se basear em: investimentos e novas tecnologias, ocasionando o desemprego; aumento da rotatividade no emprego como forma de redução dos salários e de peso relativo da folha de pagamento; arrocho sobre as pequenas e médias empresas, especialmente fornecedoras de componentes.
O pacote e os salários
47. O pacote promove, ainda, um confisco salarial dos mais profundos e graves da história recente do País. O confisco salarial pode ser discutido de vários ângulos. Os preços, tarifas, serviços, reajustes das ORTN e OTN, taxa de câmbio, foram congelados pelo pico. Ou seja, pelos respectivos valores, incorporando a inflação do período anterior, inclusive do mês de fevereiro. Por exemplo, as ORTN, que correspondem à correção monetária e servem para a valorização das aplicações financeiras e inúmeros contratos comerciais, foram reajustadas em 14,36%, ou seja, de acordo com a inflação integral de fevereiro. Os salários, ao contrário, tiveram seus valores congelados pelo valor médio dos últimos seis meses. Isso significa que os salários foram convertidos para cruzados pela média e os preços pelo pico. Aceitar essa forma de conversão dos salários significa reconhecer que os trabalhadores foram responsáveis pela inflação do período anterior. A conversão salarial pela média retira dos salários o valor correspondente à inflação dos últimos seis meses, que foi a mais elevada da história econômica do País.
48. O procedimento de conversão dos salários pela média dos últimos seis meses é o ponto central do processo de confisco salarial. Porém, há ainda críticas sobre a forma como está sendo calculada a média: o governo considerou apenas cinco meses de inflação para o cálculo, tomando o mês de fevereiro igual a 1.000, ou seja, como se não tivesse havido inflação. O argumento básico do governo é que esse é o poder real de compra, porque o salário devido ao trabalhador em fevereiro só seria recebido em março, quando não haveria inflação. Há que se considerar que na construção civil é prática o recebimento semanal de salários; muitas empresas na indústria e comércio pagam vales quinzenais, além de diaristas e de adiantamentos, fatores que antecipam os gastos do trabalhador assalariado. Portanto, o governo optou por um conceito de média salarial que beneficia os que compram e não os que vendem sua força de trabalho. Os trabalhadores perderam um mês de inflação no cálculo oficial da média. A metodologia oficial de cálculo da inflação coletava os preços para apuração do índice de inflação – IPCA – do dia 15 [do mês anterior] ao [dia] 15 do mês correspondente. Isso significa que a inflação de fevereiro foi calculada com base na evolução dos preços do dia 15 de janeiro a 15 de fevereiro. Portanto, há um resíduo inflacionário, correspondente ao período de 15 a 28 de fevereiro, que deveria aparecer no cálculo da inflação, e esse resíduo foi desprezado pelo novo índice – IPC. Podemos estimar que esse resíduo deve ser de 5% a 7% e que, se fosse considerado, levaria a uma aceleração no disparo do gatilho da escala móvel de 20%, porque os trabalhadores começariam o novo período do cruzado com uma inflação inicial, em março, de 6% a 7%. O abono do governo, de 8%, foi concedido para eliminar essa perda, segundo alguns assessores governamentais. Desde o abono, 6% correspondem ao resíduo e 2% à elevação do custo de vida ocorrido no período anterior ao congelamento de preços, gerada pela especulação com os produtos agrícolas devido à seca. O abono de 8% não eleva a média salarial. Ao contrário, é insuficiente para garantir o cálculo exato da média, se considerarmos que continua faltando um mês de inflação no cálculo.
49. O terceiro aspecto das perdas salariais com o pacote econômico do governo está na escala móvel do salário. O que era média salarial se transformou em pico, ou seja, a média dos últimos seis meses é o maior salário que o trabalhador deverá receber no Brasil do cruzado. Portanto, como os salários só serão corrigidos integralmente com a inflação de 20%, haverá uma perda real de salários no futuro próxima a 9,5%.
50. O pacote tem outras implicações no processo de negociação coletiva. Em primeiro lugar, ele retira da Justiça do Trabalho o poder normativo para a reposição salarial do passado, como vinha ocorrendo a partir da greve nacional dos bancários, em setembro de 85. Em segundo lugar, a mudança no decreto que assegura um reajuste de 60% da inflação passada, como antecipação salarial, por ocasião da data-base, representa um grande retrocesso em relação à política salarial anterior. Essa modificação tem objetivos políticos, ou seja, impedir a unificação de data-base na escala móvel de 20%. Os trabalhadores perderam a unificação da data-base sem que fosse assegurada sequer a reposição integral das perdas salariais nas respectivas datas-base.
Trabalhadores contra o pacote
51. O pacote representa uma tentativa de modernização conservadora do capitalismo brasileiro. Mais precisamente, os desdobramentos deste pacote, no nível do processo de acumulação de capital, deverão favorecer o grande capital monopolista, concentrando e centralizando o capital e estimulando o processo de internacionalização da economia brasileira. De outro lado, o pacote pretende esquecer o passado em relação às perdas salariais, ao desemprego e à distribuição de renda. Tenta consolidar o padrão de distribuição de renda, portanto, o modelo de crescimento, como a base do atual processo de modernização conservadora do capitalismo brasileiro.
52. O pacote procura modificar o cenário da luta de classes, permitindo uma retomada de iniciativa política da classe dominante, gerando condições sociais, econômicas e políticas mais favoráveis ao processo de transição política conservadora, iniciada no Colégio Eleitoral. Não obstante, a realidade do País está longe dos desejos governamentais. Recentemente, praticamente toda a cidade de Criciúma (SC) encontrou-se paralisada; antes pararam os sapateiros de Franca (SP), portuários e ferroviários do Rio, metalúrgicos de Niterói, professores e funcionários do Distrito Federal, metalúrgicos de Porto Alegre e Canoas (RS) etc. Essas greves, todas contra o arrocho e o congelamento da miséria, mostram que os trabalhadores recusam, na prática, os plano do governo. Assim:
a) em relação aos trabalhadores do campo, as iniciativas do governo, de importação de alimentos, de implantação regional da proposta de reforma agrária e política agrícola visando tornar os latifundiários “produtivos”, visam isolar as lutas pela reforma agrária, aumentar o desemprego nas regiões da agroindústria canavieira, fortalecer o sindicalismo pelego;53. A luta salarial tenderá a se tornar mais difícil, e o isolamento, um risco. Dois comportamentos opostos explicam por que uma greve pode se isolar ou não. Na greve dos sapateiros de Franca, a CUT agiu explicando o sentido do movimento contra o pacote, de recusa do arrocho salarial, mostrando praticamente que os trabalhadores não aceitam “pagar o pato” em nome do congelamento de preços. Essa atuação foi radicalmente oposta à da CGT e da diretoria do Sindicato na greve dos metroviários de São Paulo. Depois de pressionadas pela base a entrar na luta, essas direções tentaram, a todo momento, falar que a greve não era contra o pacote, desviando seu rumo e tentando ocultar da população o real motivo da paralisação. Mas a ação dos petistas e da CUT nessa greve serviu para mostrar que a luta era realmente contra o pacote, impedindo maiores prejuízos para o movimento.
b) em relação à classe operária, o congelamento de preços, por seu impacto popular, deverá ser a bandeira da política de enfrentamento dos patrões nas mesas de negociação;
c) em relação aos bancários, além do pacote econômico, o governo pretende realizar uma reforma bancária, que provocará mais demissões na categoria. Nesse quadro, os 800 mil bancários do País terão que organizar a sua Campanha Salarial/86, intensificando desde já a luta contra as demissões. Nessa luta, ocupa lugar importante a denúncia e o combate ao boicote levado pelo grupo liderado pela Contec, que é também da CGT, que apoia o pacote e se oferece para administrar as demissões em massa, em conjunto com os banqueiros e com o governo; e que, nessa linha, acaba de desrespeitar a deliberação nacional de realizar o Encontro Nacional no Rio de Janeiro, transferido pela Contec para Fortaleza.
54. Essas variantes possíveis da aplicação do atual pacote econômico devem nos alertar para a necessidade de encontrar respostas adequadas, para levar as massas trabalhadoras a compreender que, em qualquer dos casos, a burguesia só está buscando solução para sua própria crise. Essas respostas têm que levar em conta que uma parte das massas voltou a acreditar nas promessas da burguesia, colocando-se, pois, sob sua hegemonia.
55. Isso, aliás, é decorrência da própria luta do movimento operário-sindical e popular, que ameaçava a burguesia de perder sua hegemonia sobre as grandes massas. Como é de praxe na luta entre o capital e o trabalho, a burguesia viu-se compelida a apresentar concessões a reivindicações concretas do movimento social e fazer com que este entrasse na defensiva. Houve, assim, uma troca no domínio da iniciativa. Antes a iniciativa estava com o movimento sindical, que forçava o governo a adotar a trimestralidade, a diminuição da jornada de trabalho, seguro-desemprego, congelamento etc. Ao apossar-se, mesmo de forma deturpada, de algumas dessas bandeiras, ainda por cima colorindo-as com um matiz pseudo-nacionalista, o Governo Sarney procurou deter a iniciativa política e obrigar o movimento sindical e popular a reformular suas táticas de luta.
56. Esse processo faz parte da educação de luta dos trabalhadores, em especial de seus setores mais avançados. A disputa pela hegemonia sobre as grandes massas que ainda não despertaram para a vida política, ou que despertaram de forma incompleta, com vistas à conquista ou manutenção do poder político, é o eixo que atravessa as ações políticas. A perda momentânea de iniciativa, assim, se é preocupante, não quer dizer que a batalha esteja perdida, da mesma forma que a conquista parcial da iniciativa não significa que a batalha esteja ganha. Mas exige de nós uma postura crítica realista e a adoção das políticas correspondentes para neutralizar a política governamental e levar as massas, qualquer que seja o resultado das medidas adotadas, a compreenderem que, sob o capitalismo, elas continuarão sendo exploradas e oprimidas e que os problemas estruturais que as afligem continuarão existindo, enquanto persistir esse modo de produção.
57. Ao baixar o pacote, o Governo Sarney procura ganhar, com isto, a legitimidade que não possui, como fruto que é do Colégio Eleitoral. O mandato Sarney continua tão ilegítimo quanto antes. O PT continuará desenvolvendo sua linha de oposição ao governo e lutando pelo seu fim o quanto antes possível. O PT mantém sua defesa das diretas para Presidente.
58. As políticas para enfrentar as medidas da Nova República e para tirar as massas da hegemonia da burguesia fazem parte das tarefas do PT para a atual conjuntura, e serão vistas mais adiante neste documento.
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